sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Não era nem sexta feira


Deveria ser outro dia qualquer, hoje não era nem sexta. Sairia da cama, se conseguisse. Amarrou-se cordas nos braços e pernas que mantinham ele imóvel. Seus olhos estavam colados com cola líquida, seus cílios duros por estarem recobertos por uma espessa camada de cola, permaneciam úmidos pelo pouco de lágrima que por uma pequena abertura escorria. Sua fala havia sido cessada, com laminas afiadas, sua garganta estava aberta, dela se retiravam as cordas vocais que ainda eram usadas para exprimir o desespero.
‘Quem é você, o que quer?’ sua cabeça pensava enquanto a massa encefálica não fosse removida. Já havia algumas horas desde que parou de lutar, não tinha mais forças, afinal, nunca fora muito atlético. Encontrava-se sozinho, em algum lugar. Tentava respirar, mas o oxigênio também era escasso. Se não fosse pelas cordas presas em seus punhos apalparia ao redor, quem sabe achasse algo útil, poderia livrar-se, não era nem sexta, porém manteve-se imóvel, já que esta era a intenção do outro.
Ouviu a porta abrindo, num barulho ensurdecedor. Balbuciavam coisas estranhas, não dava para entender. Deveriam ser de outro país. Ele desesperou, sua única esperança era que ouvisse o que diziam, não havia passado pela cabeça dele que os outros poderiam não ser de sua nacionalidade. Ele agitou-se. Aqueles perceberam que estavam sendo ouvidos. Pegaram uma pequena barra de platina e um pouco de ácido, e foi passando-a por todo seu ouvido. Sua mão esquerda fechou-se, cravando as pequenas unhas em sua carne, para que desviasse sua dor. A barra foi inserida mais profundamente numa orelha, até que perfurou o tímpano e o mesmo derreteu-se. A mão que reagiu a dor fora cortada com bisturi, e não se estancou o machucado. Ele sangrava, ele chorava em silencio. Não era nem sexta.
Ontem não era nem sexta, era outro dia como todos os dias. Seis horas da manhã ele acordava, tomava café, trocava a roupa, quando ele não dormia já com o uniforme, escovava os dentes, olhava-se no espelho e apreciava o lindo menino de cabelos cor de fogo e olhos verdes. Ia pra escola. Fazia cálculos, conjugava verbos, falavam sobre Hitler e a Alemanha. Hitler, aquele torturador de judeus, pensou ele enquanto sentia pedaços de vidro perfurando sua barriga. Fazia tudo que qualquer pré-vestibulando fazia em dias de semana. Seu hobby era tocar bateria. Tinha um maltês e um irmão mas novo, seus pais ainda moravam juntos, ele era feliz e nunca tinha feito nada de mal para a sociedade. Porque ainda não era nem sexta.
m.Enquanto os estranhos costuravam sua garganta, a barriga sangrava. Ele pensava, enquanto conseguia, mas não lutava. Sabia que seria derrotado. Não era nem sexta e estavam arrancando suas unhas com um alicate. Até que ele era masoquista, ficava imóvel enquanto todo o corpo sangrava. Acho que o torturador ficou estressado por isso ou pensou que estivesse morto. Não sentiu mais nenhum toque, não ouviu mais nenhum barulho.
Ficou sozinho onde estava por séculos, já que minutos imobilizado e ferido dá a severa impressão que duram anos. Ele ouviu sons: o outro entrou. Tateou seu rosto e com água quente removeu a cola de seus olhos. A luz era intensa, pensava até que era o céu, mas sabia que não era, o céu não fede a carne necrosada, apertou os olhos para que conseguisse ver algo. Ergue a cabeça e olhou ao redor. Era grande, e cinza. Haviam corpos pendurados e esqueletos no chão, em seu leito havia sangue, muito sangue, do lado tinha uma mesa com uma mão boiando em querosene, sentia pelo cheiro, misturado com o fedor da necrose, ao lado havia uma série de instrumentos enferrujados e coberto com sangue. Não, aquilo definitivamente não era seu quarto. E viu um homem andando, ele era familiar. Seus cabelos ruivos. De costas ele era elegante, usava um avental por cima de uma polo, aparentemente cara. Porém não tinha a mão esquerda, fora robotizada. O homem virou-se para o garoto de frente. O garoto assustou-se, não pela cicatrizes no rosto, não pelo avental sujo de sangue, não pelas unhas da mão real arrancadas,  não pela garganta costurada…


- Não te assustes, criança, não te matarei. Isso seria um suicídio. Demônios te amem, hoje ainda é quinta-feira, e pra você, pra sempre será.

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